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terça-feira, fevereiro 06, 2007

PROGRESSO E PLANOS TECNOLÓGICOS

«(...) Hoje eu sei o que é um kamikaze. Os caras me transformaram num kamikaze, um kamikaze ignorante que não sabia que o avião iria explodir. Hoje eu sei quem são os filhos da puta, os inventores de pilotos-suicidas, só de olhar para o sapato desses caras eu sei quem é filho da puta. Os filhos da puta gostam de mocassins, gostam de penduricalhos, gostam de correntinhas douradas no peito do pé, os sapatos deles têm cor de vinho, se você vir um cara com o sapato dessa cor, saia correndo porque na primeira oportunidade ele vai te foder. (...)
Eles me deram uísque, me deram abacaxi tropical, eles fizeram com que eu me sentisse um cachorro molhado, me fizeram sentir vergonha de ter os sapatos fodidos, então eu pensei, porra, esses caras são legais, eu sou um fodido e eles são legais, abaixe a cabeça porque eles são legais, eles têm a casa que eu não tenho, a família que eu não tenho, o carro que eu não tenho, esses caras são legais. Eles me humilharam e eu disse, vocês são legais. Eles me fizeram ter vergonha de ser o que era, de ter vindo de onde vim, de ter o que eu tinha, e eu disse, vocês são legais. Eles me desprezaram. Eles me rebaixaram, e eu achei aquilo certo, achei aquilo correcto. Foi isso.
I love my dog, (...) ontem eu vi uma mulher com este plástico grudado no carro, I love my dog. Sabe o que eu fiz? Peguei uma merda de cachorro que estava na calçada e coloquei no vidro do carro dessa mulher. (...) Essa gente. Eu tenho nojo dessa gente. Eles amam seus poodles, seus dálmatas, seus pastores de quinhentos dólares, eles treinam seus cachorros a cagar nas calçadas para a gente pisar na merda e lembrar de seus cachorros fedidos, temer seus cachorros ferozes, eles ensinam tudo. Os cachorros aprendem rápido. Se bobear, você vai aprender. Você vai aprender a latir. A atacar. A morder. A farejar cocaína. A receber restos de comida. É isso, você aprende, ódio é uma coisa fácil de aprender. É mais fácil você aprender a odiar do que a cozinhar ou usar computador.
Eles dizem, aquilo é uma merda, você acredita, aquilo é uma merda. Aquilo fede. Fede mesmo, eu sinto o fedor. Aquilo é podre. Podre, é podre, a gente aprende. O homem aprende tudo. Por isso o homem progride. A ciência progride. Os Estados Unidos progridem. A industria. A tecnologia. Mas o coração do homem, eu ouvi um homem falando isso na televisão, um homem muito importante, o coração do homem não progride. Então os progressos não servem para porra nenhuma, vacinas para salvar bestas, a verdade é essa. Mas isso não vem ao caso. Interessa é que você tem que tomar cuidado com esses caras porque senão, senão você vai aprender o que eles querem ensinar. Você vai se foder.»
(Patrícia Melo, 1995. O Matador)

Comments:
E
 
Que o homem bebeu, bebeu. Até já via os mocassins da côr do vinho.
 
na capa: prémio Deux Océans 1996 e Deutscher Krimi Preis 1998.
 
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